terça-feira, agosto 11, 2009

Update: em virtude do questionamento de alguns conhecidos, ressalto: o texto abaixo é ficção.


Acordei com esse tremendo incômodo dentro da minha barriga. Julguei de imediato que era a fome, por que não? Seria natural. Muito embora não parecesse exatamente fome. Ao menos não a minha. Mas, efetivamente era na minha barriga que estava o problema. Cortei queijo, pão, derramei um pouco de azeite. Repeti algumas vezes. Senti um alívio. Parcial, contudo. Não era a primeira vez que eu sentia isso. Pensei em comer mais, mas uma parte de mim chacoalhou-se toda e impediu-me.

Sentei, deitei, li. Aquela mesma sensação, ainda ali. Parei pra refletir um pouco sobre tudo, claro, tempo livre. Natural. Tinha lá tantas coisas pra fazer, um cem número de planos nesses meus quase 20 tantos anos. Eu era excepcional nessa coisa de planejar. Eu era melhor ainda em manter os planos em constante reforma, assim não conseguia realizar nenhum deles. Nada mais natural. Enfim, o dia custava a passar e aquele pequeno incômodo que não me largava. Eu tinha certeza absoluta que era fome. Mas não era minha, não podia ser. Se fosse, eu teria matado. Eu comi, oras.

O auge do tédio se aproximando mas o telefone tocou. Algumas vezes na vida o telefone toca inesperadamente e eu sempre penso que a resposta pra tudo vai estar naquela ligação. Vou atender e sei lá. Um milagre anunciado do outro lado da linha. Qualquer coisa. É a esperança mais idiota que existe. Mas, enfim, idiotice e esperança são coisas tão naturais. Puxo do gancho e já reconheço a voz da minha namorada. Nós estamos há bastante tempo juntos, o nosso jeito de falar, nossa expressão corporal se parecem. Não sei se isso acontece com todos os casais. Talvez não seja muito natural. Enfim, ela reclama dessas tantas coisas, a família e a faculdade principalmente. Eu tenho essa tendência de achar que os problemas dela vão todos se resolver por que são tão banais. Os problemas dos outros sempre parecem tão banais. Aí ela para de falar de repente, faz esse breve silêncio. Eu conhecia isso, toda vez que existia uma notícia incomum ela assumia esse tom solene, mudava todo o vocabulário. Natural, claro. Está atrasada e já faz quase um mês. Mas que bela merda eu pensei prontamente. Todos aqueles planos. E aquele tremor na minha barriga que insistia em permanecer, agravou-se. Eu ainda estava intrigado com aquilo e quase perdi todo o discurso dela repleto de soluços.

Fui encontrá-la. Eu sou um fodido em vários sentidos mas jamais deixaria a minha namorada ser mãe solteira. Jamais. Nada mais natural. Pra mim pelo menos. Fiz minha parte, botei as cartas na mesa. A gente estava junto nessa. Não sei e provavelmente nunca vou saber se aquilo foi o suficiente pra ela. Toquei o carro pra uma farmácia e ela se foi comprar um teste de gravidez. Fiquei sozinho com os meus pensamentos. Caralho. Mas o que diabos era aquilo? A paternidade veio me fazer um agrado e quem sabe fosse para sempre. Lá estava eu reformando planos e dessa vez parecia ser o último retoque. Esses 5 minutos de reflexão e ela já voltava pro carro. O pensamento elastece o tempo, disso eu tenho certeza.

Fomos pra casa e entramos no meu quarto. Cenário onde surgiu o moleque. Definitivamente fora ali. Eu gostaria muitíssimo de ter um filho homem. Não existe nenhum cenário que eu me veja criando uma mulher. Criar uma mulher é provavelmente o desejo mais pretensioso do mundo. Não sei quanto tempo leva um exame de gravidez, mas nesses minutos me dei conta de que aquela fome misteriosa tinha desaparecido. Que alívio tremendo eu senti. Reclinei na cama e fiquei contemplando o teto, tinha uma rachadura linda bem no meio. Quanto tempo será que leva pra cair uma construção? Em média? Algum dia elas caem, certamente. Natural. Mas aí irrompeu minha namorada no quarto, eu até hoje não sei se aquilo era um sorriso. Parecia ser. Ela me mostrou o teste. Tive vontade de rir ao não conseguir entender como funcionava aquilo mas ela me disse. Não estava grávida. Nós nos abraçamos e desatamos a rir e chorar numa mistura engraçada. No carro isso parou e foi só silêncio. Quando cheguei em casa me deitei e olhei pro teto novamente. A luz estava apagada. E de repente eu sentia. Aquela fome novamente.

Um comentário:

Mayra M. disse...

Gostei.